De vez em quando, gosto de vasculhar a minha memória na tentativa de encontrar recordações que me tragam o gosto da minha adolescência.
Após alguns minutos a puxar pela moleirinha, chego a uma preciosidade da minha juventude, que recordo muitas vezes, em reuniões com amigos dessa temporada. Falo-vos da "Escumalha 2000".
Não, não é um filme, nem muito menos um grupo terrorista.
Corria o ano 1999, tinha eu 14, e o medo que o mundo acaba-se no virar do milénio preenchia-nos o pensamento. Neste impasse, na minha terra natal (Cartaxo), é inaugurado um skate park, coisa que representava uma novidade extrema num sítio como aquele. Lembro-me que esta inauguração não foi muito bem recebida pela população cartaxeira mais velha, porque, diziam as esquinas, "isto vai trazer drogados e criminalidade para a nossa terra!".
Alheio a tudo isto, como qualquer puto da minha idade, comprei um skate e pus pés ao caminho, de uma ponta a outra do ctx, para mandar uns malhos nesse novo espaço radical da cidade.
De tantas vezes que frequentei o skate park, comecei a aperceber-me de que eram sempre as mesmas pessoas, em grupinhos naquele sítio. Uns para fazerem umas manobras, outros para pôr a conversa em dia, patins, skates, bicicletas, passaram a ser moda. Quem não praticasse um daqueles desportos radicais era careta ou nerd, e foi assim que me tornei numa tentativa, sempre falhada, de Tony Hawk.
Como já vos disse, as caras eram sempre as mesmas, em idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos. Mas, de um momento para o outro, um grupo de malta destacou-se dos restantes, não só por serem muito mais numerosos, muito mais amigos, muito mais radicais, muito mais organizados, muito mais fixes, resumindo: muito mais à frente.
Eu, tendo sempre uma visão de fora, reparava que este grupo era cada dia que passava, mais coeso, e composto pelas caras mais diversas daquela bela cidade. Na sua composição podiam verificar-se tanto rapazes como raparigas, todos eles bastante radicais para a época. De referir que, na sua maioria, eram habitantes do bairro do vale verde, uma zona habitacional relativamente nova.
O skate park era uma espécie de quartel general ou fortaleza daquele grupo, que para o frequentares tinhas, pelo menos, que conhecer um dos elementos do grupo. Os meses foram passando, e com isso, a sua afirmação e prestígio foi crescendo cada vez mais, passando rapidamente a ser motivo de orgulho para quem a ele pertencesse, e motivo de inveja para quem não fizesse parte.
Mais tarde, respondendo à ordem natural destas coisas, auto-intitularam-se " A Escumalha 2000". Todos queriam poder dizer: " Eu sou da escumalha, e tu?", era o sonho de qualquer jovem cartaxeiro, poder ter as costas quentes pelo grupo de amigos mais respeitado da cidade.
Como hábitos e gostos da Escumalha destacavam-se, a prática de desportos radicais, a idolatração da cena punk, as calças bem largas e os ténis de marcas a condizer com o estatuto. Marcas como Osiris, Blind, DCshoes, Etnies, Vans, Reef, Dvs...eram símbolos de indumentária, que afirmavam estarmos presentes perante um skater à séria. Um pouco por todas as ruas do Cartaxo, começaram-se a puder ver-se os primeiros tags, e frases como "punk is not dead", "SK8 or die"...que afirmavam estarmos perante um grupo respeitado de punks e skaters.
Mas uma das coisas que mais contribui para que a Escumalha 2000 fosse tão temida, e ao mesmo tempo, amada e respeitada foi a coragem que demonstravam em experimentarem coisas, algumas delas ilícitas, que até então ninguém até ali se tinha atrevido a experimentar. Coisas normais da vida rebelde de um grupo de adolescentes.
O Cartaxo, neste tempo, era uma terra muito mais apetecível que agora, e algumas dessas coisas foram fomentadas pela nova mentalidade deste grupo de jovens, pois basta-nos recordar dos concertos de rock e demonstrações de skate, pelos melhores desportistas do país, banhadas por tardes solarengas naquele skate park. O eco da Escumalha era tão grande que passava os limites da sua cidade, chegando a tantos outros sítios como o "Portugal Radical" (programa televisivo de desportos radicais), muito por culpa da mais valia de alguns dos seus elementos.
Não vou mencionar os seus nomes, mas eles sabem bem quem são, e ainda hoje, são recordados pela minha memória (mesmo estando vivinhos da Silva), com enorme orgulho, pois mudaram a vida da cidade para melhor, olhando agora para trás.
O legado que deixaram, ainda actualmente se faz sentir nas suas próprias peles, ou não fossem as muitas alcunhas que se criaram dentro daquele grupo, e que ainda hoje prevalecem como os seus nomes próprios.
Muito mais havia a dizer sobre estes putos, mas fico-me por aqui, nesta minha breve homenagem à saudosa Escumalha 2000, um exemplo para estas novas gerações, que a meu ver, são uns bonecos manientos.
Gostava de ver um dia um filme ou documentário sobre isto, à imagem de um dos filmes preferidos desta malta "Kids", mas se for pedir muito, fico-me pelas boas recordações.~
Para todos os membros da Escumalha 2000, deixo aqui uma dedicatória musical:
Este Barão tem orgulho de ter vivido, tudo isto, perto de vocês!