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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Dakar: Desarrumação normal

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Foi a minha primeira vez na África Austral.
Sem razão plausível, nunca antes tinha estado a sul do deserto do Sahara. Talvez, porque quando pensas em férias, não seja uma zona do planeta que te ocorra no imediato. É daquelas que vai sempre sendo ultrapassada pelo marketing turístico.
Mas desta vez não havia como fugir, o dever falou mais alto e o destino foi Dakar, Senegal.
Ia sem expectativas nem preconceitos, apenas curiosidade pelo desconhecido. Esse estado de espírito alterou-se no imediato da abertura da porta do avião.
O peso daquele ar, os cheiros, a humidade, as pessoas...parecia ter chegado a outro planeta.
Mais sui generis ainda, foi aquando da saída do aeroporto para apanhar o shuttle para o hotel. Um percurso de 5 minutos a pé, no meio de dezenas de pessoas desarrumadas que te sussurravam qualquer coisa imperceptível ao ouvido.
O trajecto de autocarro até ao hotel durou 30 minutos nocturnos, e estes foram talvez o 30 minutos mais complexos da minha vida. Dei conta de uma realidade que só ouvia falar. 
A desarrumação era total pela cidade. As pessoas aglomeravam-se nos locais da via pública menos prováveis. Não existiam semáforos, passadeiras, sentidos opostos.
O hotel era muito próximo do centro de Dakar. Era rodeado por um muro alto, e tinha tiques europeus. Estava "paredes meias" com uma praia que tinha tudo para ser paradisíaca, só que não. As ondas enrolavam-se na areia como em todo o lado, mas estas carregavam um amontoado de lixo urbano.
Dormi.
No dia seguinte, a curiosidade aumentou depois daquele primeiro choque cultural.
A pé, percorri as ruas da capital do hotel até ao centro. 
Era a desarrumação total.
Ao fim de poucos minutos já tinha alguém que era a minha sombra. Apresentava-se como uma ajuda para quem era turista e queria visitar o mercado central. No meio de algum desprezo da minha parte, lá foi dizendo que era mais seguro para mim porque era branco. 
Não sei se por ser branco, à medida que corria as ruas ia sendo alvo de todos os olhares.
No mercado labiríntico, encontrei a mais dura realidade social de toda a minha vida. Ali até o lixo serve como forma de meter comida no prato ao final do dia. As crianças pediam desesperadamente por comida. Os comerciantes quase choravam por uma simples compra. Era fácil negociar o preço do que quer que fosse, 10x abaixo do valor inicialmente apresentado.
As ruas estavam cheias de crianças com idade de irem à escola. Estas procuravam lixo para vender no mercado da reciclagem.
Puxar do telemóvel para tirar fotos àquela realidade, era como tirar uma arma do bolso e erguê-la. Todos olhavam para o objecto, não com desejo, mas com medo. Várias foram as vezes que o tentei fazer, mas quais sentinelas, havia sempre alguém a sancionar a minha ousadia. 
Percebi que aquele gesto para eles era a mais pura ofensa. Representava escárnio e superioridade racial.
O motoqueiros chocavam com tudo e caíam no asfalto empoeirado, erguendo-se de seguida em carne viva, como se tivessem apenas estacionado. Ninguém olhava sequer. 
Escusado será dizer que fui literalmente obrigado a comprar algo a pessoas que, com o olhar estático, lavavam os dentes com um pau. 
No entanto, é importante referir que nunca me senti inseguro ou ameaçado por alguém. Fui de espírito aberto e sem a formatação julgadora ocidental. 
No regresso ao hotel, parei num supermercado onde apenas os empregados eram negros e todos os clientes eram brancos...Comprei garrafas de água, pão e fruta. Com isto consegui soltar vários sorrisos às crianças famintas, e fui escoltado pela multidão até ao hotel. Senti que tinha sido uma forma de agradecimento.
O mais incrível que presenciei foram os sorrisos mais fidedignos de todos, em alguém que tem quase nada.

Muito se fala em relação a África, mas só pisando aquele solo e dissolvendo-nos naquela realidade, é que se consegue perceber que este mundo é do mais cruel que existe.

Antes tinha 1,78cm, agora sou muito maior!!        

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